O quadribol fora de Hogwarts: como o esporte foi adaptado à realidade
- Ana Vitoria
- 24 de mai. de 2017
- 7 min de leitura

O esporte criado na saga Harry Potter ultrapassou os limites da ficção e ganhou espaço também na realidade. O primeiro time brasileiro em parceria com a Associação Internacional de Quadribol (IQA), Rio Ravens, foi criado em 2010. Para auxiliar os jogadores e amantes da modalidade no país, a Associação Brasileira de Quadribol (ABRQ) foi fundada em 2012. Atualmente, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) monta o primeiro time universitário brasileiro (foto acima) e procura pessoas dispostas a aprender a jogar e fazer parte da equipe.
Na versão fictícia, o quadribol é praticado por Harry Potter e os amigos em Hogwarts. Os jogadores voam nas vassouras pelo campo enquanto tentam marcar pontos ao arremessar a “goles” por um dos três aros do time oposto. Ganha quem fizer mais pontos, e o jogo só acaba quando o apanhador capturar o “pomo de ouro”. Na realidade, o jogo passou por algumas adaptações.
O primeiro time de quadribol fora dos livros e filmes de J. K. Rowling foi criado em 2005 no Middlebury College, nos Estados Unidos, pelos estudantes Xander Manshel e Alex Benepe. O que começou como um passatempo aos domingos se tornaria mais tarde um esporte praticado não apenas por fãs da história do bruxo, mas por qualquer pessoa que se identifique com a atividade.
Assim como nos filmes, um campo de quadribol tem três aros de tamanhos diferentes em cada lado. O objetivo do jogo é o mesmo: marcar pontos ao arremessar a bola por um dos aros do time oposto que, apesar de terem tamanhos diferentes, valem 10 pontos cada. O jogo começa sempre com as bolas no meio do campo. Quando o árbitro apita, os jogadores correm em direção à bola referente a posição de cada um. O esporte é regido por um livro de regras que está na décima edição, válida de 2016 a 2018, e é editado pela Associação Internacional de Quadribol.
Em relação às bolas, tem-se a “goles”, que geralmente é uma bola de voleibol um pouco vazia, os “balaços”, que são bolas de queimado ou de dodgeball, e o “pomo de ouro”. Na versão real, são usados três balaços ao invés de dois. Mas a adaptação do "pomo de ouro" é a mais distinta da versão fictícia. Ao invés de uma bola voadora, os jogadores utilizam uma bola de tênis ou frescobol dentro de uma meia presa na parte de trás da bermuda do snitch runner, um jogador neutro que é livre para fazer o que quiser, inclusive atrapalhar outros jogadores. A captura do "pomo de ouro" vale 30 pontos, diferentemente dos livros, em que vale 150 pontos, e encerra a partida.

Snitch runner com o "pomo de ouro": a captura do pomo encerra uma partida de quadribol
Sete jogadores são necessários em cada time para uma partida de quadribol. As posições em campo são as mesmas listadas por J. K. Rowling nos livros. A principal regra é que cada jogador só pode ter contato com a bola da sua posição. Em um time, são três artilheiros, que têm como função marcar gols com a "goles", dois batedores, que usam os "balaços" para atrapalhar e queimar outros jogadores, um goleiro para proteger os aros dos artilheiros adversários e um apanhador para perseguir o snitch runner, apanhar o "pomo de ouro" e finalizar o jogo. Os jogadores precisam estar sempre com uma bandana na cabeça para indicar a posição aos outros jogadores e aos árbitros, que são vários em função de cada bola.
A vassoura voadora usada por Harry Potter e os outros jogadores não fica de fora. Apesar de não voarem, os jogadores seguram o objeto com uma das mãos e correm com ele entre as pernas o tempo inteiro. No começo, era usada uma vassoura comum, presente na casa de cada um. Mas, devido ao tamanho e a dificuldade de correr com ela sem arrastar no chão, os jogadores começaram a usar canos PVC para poder jogar. A “vassoura” precisa ter no mínimo um metro sem contar as cerdas, que não são obrigatórias.
Assim joga o time Rio Ravens, criado por um grupo de amigos que se inspirou nos estudantes do Middlebury College. Ao ver que era possível e fazia sucesso nos Estados Unidos, eles decidiram investir na adaptação do “quadribol trouxa”, como também é conhecido, em solo brasileiro. Na série, a palavra “trouxa” é utilizada para designar uma pessoa que não nasceu em uma família mágica e é incapaz de fazer magia – o que descreve a realidade dos fãs da saga. Com o tempo, o Rio Ravens conseguiu se afiliar a Associação Internacional de Quadribol e é reconhecido como o primeiro time do país a fazê-lo.
De acordo com Bruno Henrique da Silva, 23 anos, capitão e artilheiro do Rio Ravens, o time não tenta desassociar o esporte da versão fictícia:
- Eu gosto muito de associar uma coisa à outra porque, para mim, faz todo sentido. A origem do esporte foi a saga. Mas o que sempre tentamos deixar claro é que você não precisa ser necessariamente fã de Harry Potter para jogar ou curtir o jogo.
Bruno tenta atrair cada vez mais jogadores e incentiva a formação de novos times de quadribol pelo país.
A Associação Brasileira de Quadribol surgiu por meio de fãs da saga que descobriram a existência do esporte em 2012. Vinícius Costa, 27 anos, já jogou em alguns times e atualmente é o vice-presidente e diretor de Relações Internacionais da ABRQ. De acordo com ele, o objetivo da associação é difundir o quadribol e servir como ponto de apoio para qualquer pessoa que deseja praticar o esporte:
- Nós centralizamos o diálogo para garantir uniformidade a todas as equipes que se associam a nós e, na medida do possível, damos suporte a quem deseja realizar eventos.
Vinícius teve o primeiro contato com o quadribol na Inglaterra, quando começou a jogar como batedor no Southampton Quidditch Club, em 2014. Para o engenheiro, o apoio ao desenvolvimento do esporte é maior no exterior:
- As facilidades, tanto de se montar um time em uma universidade com apoio do departamento esportivo, quanto de se deslocar para jogar, são maiores lá do que no Brasil.
Vinícius Costa jogou também no Team Brazil, time que representou o país na Copa do Mundo de Quadribol de 2016 em Frankfurt, na Alemanha:
- O Brasil ficou em 16º lugar de 21 equipes. Tirando o desgaste, foi bom porque o time rapidamente se integrou e entendeu o estilo de jogo de cada um. Tivemos boa solidez e, felizmente, ninguém se machucou ao longo do torneio.
O diretor de Esporte e Arbitragem da ABRQ, Gabriel Bernardes, 22 anos, também joga como goleiro ou artilheiro no Rio Ravens desde 2015. Ele é o responsável por tudo que tenha relação direta com a prática do esporte e a arbitragem, como a tradução de regras e a certificação de árbitros. Como conselheiro da ABRQ em 2016, ele contribuiu para a organização dos Jogos de Verão de 2017, no Rio de Janeiro. O evento teve um minitorneio Fantasy, campeonato em que os times são criados na hora.
Para Gabriel, o quadribol não seria tão atrativo se não levantasse a bandeira da inclusão de gênero:
- A inclusão de gênero é apenas uma das nossas bandeiras pela inclusão, mas tem importância especial para toda a comunidade internacional. Ela é representada pela Regra de Gênero ou Regra do Máximo de Quatro que determina que, dos sete jogadores de cada time, apenas quatro que tenham a mesma identidade de gênero podem estar em campo ao mesmo tempo, sendo a identidade de gênero de alguém, o gênero com o qual aquela pessoa se identifica.
Gabriel Bernardes disse ainda que o esporte nasceu para representar e dar uma alternativa aos excluídos, sem deixar de valorizar a prática esportiva e o espírito de comunidade.
Ana Maria Marques, 21 anos, é batedora do Rio Ravens e conta como conheceu o quadribol fora da saga:
- Eu sou de Mato Grosso do Sul e vim estudar no Rio de Janeiro. Estava de bobeira no Facebook quando vi uma publicação sobre um campeonato de quadribol que ia juntar várias pessoas e montar equipes na hora para jogar. Como sou fã de Harry Potter, vim no dia e gostei tanto que entrei para o time.
Ana Maria destacou a inclusão de gênero como uma importante característica presente no esporte:
- Acho muito interessante porque em outros esportes tem o time só de homem e o só de mulher, você não pode misturar. Aqui é diferente. É preciso ter homens e mulheres para ter um time. É inclusão mesmo, no sentido de que todos tem chance de participar.
No dia 15 de abril, ocorreu o treino de abertura do primeiro time universitário do Brasil. A equipe criada pela UFRJ se reuniu na Escola de Educação Física e Desportos da universidade. O evento teve a presença de cerca de 30 pessoas, entre elas os jogadores do Rio Ravens. Depois de explicar as regras para quem estava presente pela primeira vez e fazer o aquecimento, os jogadores entraram em campo e honraram o amor que sentem pelo esporte.

Partida de quadribol do Rio Ravens e do time oficial da UFRJ no campus da universidade
A ideia de criar um time dentro da universidade começou em 2016. A estudante de Educação Física Cenira Alves, 29 anos, contou que foi preciso entrar em contato com a Secretaria de Esporte da UFRJ para montar o time:
- Não foi tão difícil porque apresentamos o quadribol ao professor de basquete e ele nos levou diretamente ao coordenador de esporte. Eles gostaram muito do esporte e nos deram apoio. Esse professor ficou como responsável pelo nosso time, o Philipi Daniel ficou como capitão e eu como monitora.
Philipi Daniel, 19 anos, é artilheiro e capitão do time da UFRJ. Ele conheceu o quadribol fora da ficção ao ver os treinos do Rio Ravens, na Quinta da Boa Vista, onde começou a jogar. Philipi frequenta eventos voltados para o mundo Potterhead ao lado da namorada e também jogadora Cynara Wainner, 22 anos. Os dois fazem cosplay dos personagens Ronald Weasley (Rony) e Hermione Granger, namorados na saga.
Para Philipi, o quadribol ainda não cresceu no Brasil porque as pessoas não aceitam o que é diferente:
- Se fosse um novo time universitário na Inglaterra, por exemplo, ia ser muito bem recebido. Aqui, o preconceito é muito grande quando algo foge dos padrões. Prova disso é o hóquei sobre grama, que foi mal recebido e até hoje as pessoas olham estranho.
O capitão disse ainda que a situação do esporte no país só seria diferente se os brasileiros parassem de resistir ao novo:
- Se todo mundo abrisse a cabeça para novas ideias, seria ótimo. Até mesmo uma pessoa que não tenha resistência física, não tenha nada para ser boa em um esporte, consegue se dar bem no quadribol. Ele envolve muito mais intelecto do que esforço físico se você souber jogar.
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