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A identidade oculta de J. K. Rowling através de Hermione

  • Ana Luiza Mader Branco
  • 24 de mai. de 2017
  • 5 min de leitura


A saga de Harry Potter é recheada de mulheres fortes e inspiradoras, com uma representação de gênero fidedigna à realidade do século XXI. A principal delas: Hermione Granger, a desafiadora bruxinha que integra o trio principal da saga, juntamente com Harry Potter e Rony Weasley. Elliete Maria de Sá, 40 anos, professora de Língua Portuguesa e fã da obra acredita que Hermione funciona como o alter ego da autora.


— Ela é portadora do discurso engajado que J.K. vincula nas mídias. Hermione representa inúmeros valores politicamente corretos, mas não é uma personagem “panfletária”, criada exclusivamente para veicular valores.


J. K. Rowling é uma autora que, no início de sua carreira profissional, sofreu preconceito e rejeição ao se apresentar como escritora em um período em que autores do sexo masculino obtinham sucesso e reconhecimento no meio literário. Além disso, apenas homens usavam suas iniciais para se identificar em uma obra, fazendo com que Rowling fosse a primeira mulher a adotar esse codinome.


Daniella Braga, publicitária e leitora aficionada pela obra há mais de 15 anos, colecionadora de itens e que tem na Hermione sua personagem preferida, a elogia, creditando a ela o pioneirismo e relevância para toda a história. “Ela consegue tudo que quer por mérito, determinação e inteligência. É claramente superior aos outros dois meninos em muitos aspectos”, afirma a fã. Beatriz Pamplona, engenheira de 28 anos apaixonada por Harry Potter desde seus 13 anos pondera que:


— Hermione representa vários papéis na história. Era a melhor amiga dos dois meninos, paixão do Rony, era quem planejava as aventuras, incentivava e mediava conflitos. Ela realmente faz o papel que as mulheres fazem na vida real.


Hermione Granger é apresentada na obra de maneira incomum. A personagem tem um tom transgressor e insólito, fugindo do estereótipo da literatura clássica, no qual a maioria das histórias apresentam mulheres indefesas, necessitadas de salvação por um herói, além de forte apelo estético. Daniella complementa:


— Isso é um movimento que vejo atualmente nas novas personagens protagonistas de filmes e clássicos da literatura infanto-juvenil. Vale lembrar que os livros foram lançados na década de 90 e os filmes nos anos 2000. J. K. Rowling foi pioneira na construção da personagem.


Por ser uma figura exaltada pela sua bravura, inteligência, lealdade e, até mesmo, intromissão, Hermione rouba a cena, deixando para trás seu caráter inicial de coadjuvante, tornando-se o elemento principal do trio. É ela quem lidera os meninos nas aventuras, já que Harry Potter muitas vezes é mais intuitivo e Rony Weasley um menino medroso que os acompanha, mas sem apresentar liderança.


- Ela se responsabilizou por muito mais do que Harry e Rony, devido a sua personalidade forte, mas também porque os rapazes muitas vezes não faziam nem o mínimo - reflete Beatriz.


Durante as aventuras nota-se como Hermione é subjugada, pois Harry é quem carrega os méritos e louros da vitória o que, por sua vez, mostra como ela é forte e íntegra, por ser secundarizada enquanto deveria ser central.



A bruxinha de cabelos loiros e cheios mostra grande identificação com as leitoras, que podem perceber que não é preciso se preocupar exclusivamente com a aparência, tampouco ter vergonha de ser inteligente e apreciar a leitura, para ser admirada. Hermione subverte a lógica do personagem feminino e é apresentada com qualidades intelectuais mais relevantes que apenas os atributos físicos.


- Ela retrata a nova geração da heroína, aquela que resolve o problema com uso da inteligência, não sendo necessário martelo, armadura, brutalidade, escudo ou roupas sexy - explica a professora universitária e advogada Erica Cavalcanti.


Algumas das influências que a história provoca nas jovens leitoras vão desde a conscientização da problemática do bullying até mostrar o quanto se pode atingir e conquistar na vida com estudos e dedicação, como pontua Daniella. A mensagem “hermionesca” mostra que se pode estar à frente com sacrifício e independente de origem, gênero, condição financeira ou externa. Joana London, psicóloga infantil, afirma que este público se sente representado pelas personagens lúdicas e literárias, potencializando a forma como se enxergam e se posicionam no mundo.


— Cada vez mais ferramentas como livros, filmes e desenhos estão presentes na vida das nossas crianças e adolescentes, que já nasceram na era digital. É essencial que esses meios explorem a maior diversidade de personalidade, tanto no sentido de gênero, de empoderamento, racial, fazendo com que mais jovens sintam-se representados - afirma.


Apesar de apresentar personagens fortes, donas das suas próprias histórias e vidas, J. K. Rowling pontua situações que demonstram o desrespeito que os seus colegas podem ter por elas, apenas pelo fato de serem mulheres. Durante o desenvolvimento da história, depara-se com episódios machistas, evidenciando a difícil realidade a qual as mulheres são submetidas. É uma obra fantasiosa e fictícia, mas não idealizada, mostrando como as relações sociais de fato são até hoje. A própria Hermione é apresentada de forma humanizada e suas fraquezas também são expostas, como explica Clarissa Hervé de 47 anos, educadora e fã da heroína:


— Acho o máximo ela sobressair nesse mundo machista e preconceituoso que J.K. criou. O fato de zoarem e a tratarem diferente não muda seu jeito de ser. Me identifiquei com esse traço da personagem que, apesar de mostrar que está acima de tudo isso, às vezes chora - diz.


Beatriz relata momentos do livro que talvez a história não tenha sido exatamente justa com Hermione:


- No final da saga, o Rony sente muito ciúme da relação dela com Harry e resolve desaparecer. Ela é obrigada a escolher entre seu amigo e seu amor que estava agindo imaturamente.


Em outro momento, os rapazes ficam surpresos que a bruxinha tinha um par para o baile de inverno da Escola de Hogwarts. Isso se dá pelo fato dela não ser tão bonita como as outras meninas da escola e fissurada nos estudos, priorizando as aulas e causas sociais a conhecer alguém amorosamente. Questiona-se: a personagem não pode cultivar sua inteligência e também ter uma vida afetiva independente? Sua capacidade intelectual parece se opor a ela e sua satisfação pessoal.


A autora também traz relatos nos quais as tarefas domésticas eram realizadas principalmente pelas mulheres da história. No sétimo livro da saga, “Harry Potter e As Relíquias da Morte”, o trio de amigos bruxinhos passam meses se escondendo e cozinhar torna-se uma responsabilidade exclusiva de Hermione, juntamente com a proteção do grupo. E, mesmo mostrando sua insatisfação com seus colegas, a situação não se altera. Os cenários machistas são recorrentes e inseridos na obra como habituais e não como problemas.


Os personagens Rony e Hermione flertam em cena.


Até quando mulheres fortes e que priorizam suas ambições serão questionadas e diminuídas? J. K. Rowling possui um histórico de superação de vida que envolve marido abusivo, depressão, desemprego, ser mãe solteira, além de ter sua obra recusada por nove editoras. Nota-se como uma autora repleta de superações na vida escreveu uma obra permeada de personagens fortes e inspiradores, mas ainda assim relatando a realidade que suas semelhantes precisam enfrentar e a luta para se posicionar. No mundo da magia de Rowling, as mulheres são empoderadas e dão lições de como agir e resistir ao passo que os meninos, inclusive quem carrega o nome principal da obra, precisam aprender lições de igualdade e respeito, refletindo menos como o mundo é e mais como deveria ser.




 
 
 

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Estudantes de Comunicação Social da PUC-Rio. Projeto sobre os 20 anos de Harry Potter desenvolvido para a disciplina de "Redação em Jornalismo Impresso", turma 2IC. 

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