Infância x fama: a influência da exposição do artista mirim
- Gilberto Junior
- 25 de mai. de 2017
- 3 min de leitura

Os atores Daniel Radcliffe, Emma Watson e Rupert Grint, aos 11 anos, estreavam em “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, o primeiro de uma série de oito filmes que fez história da saga no cinema. No Brasil, para que o mesmo fenômeno aconteça, crianças em cena têm que acatar um conjunto de regras jurídicas para a própria preservação deles. Desde 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente exige um alvará judicial emitido por juízes da Vara da Infância, que após fiscalizações, avaliam as condições de trabalhos e comprovação de aproveitamento escolar, para qualquer participação de artistas infantis em telenovelas, peças de teatro ou desfiles de moda, mesmo acompanhadas e autorizadas pelos responsáveis.
Daniel Radcliffe (27) teve sua vida transformada pela popularidade mundial. Após o lançamento do primeiro filme, em 2001, ele enfrentou a hostilização de colegas de classes que caçoavam pelo fato do ator interpretar um jovem bruxo. A carreira de Radcliffe começou a consumir seu tempo e ele continuou sua educação com um tutor particular. Em entrevista ao jornal britânico “The Guardian”, ele revelou que, mesmo com boas notas no “A-Levels”, prova realizada no Reino Unido equivalente ao ENEM, optou por não exercer a vida acadêmica pois sabia que teria uma dificuldade na universidade e pretendia focar na sua carreira em Hollywood.
No Brasil, de acordo com a juíza da 1ª Vara da Infância, da Juventude do Idoso Juliana Leal, fiscalizações ocorrem periodicamente e cabe ao juiz aferir se a atividade desenvolvida traz algum risco à criança ou adolescente, tanto sob o ponto de vista físico como moral. Vale lembrar que o direito à imagem pertence à criança ou adolescente, não podendo seus pais dispor livremente.
De acordo com o promotor da 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Proteção à Educação da Capital, Marcos Moraes Fagundes, é de obrigação primária dos pais ou responsáveis resguardar que nenhum direito seja violado nesse processo. Caso sejam omissos ou compactuem com a violação o Ministério Público pode instaurar um procedimento para investigar se há violação e adotar as medidas cabíveis.
Em 2009, o Ministério Público do Trabalho do Rio encaminhou uma notificação ao escritor Manoel Carlos, autor da novela "Viver a Vida", por causa do papel interpretado pela atriz Klara Castanho, de apenas 8 anos na época. Na trama, a atriz mirim interpretava uma vilã. Para as procuradoras Maria Vitória Sussekind Rocha e Danielle Cramer, o trabalho infantil artístico deve ser comedido. "Nem todas as manifestações artísticas são passíveis de serem exercidas por crianças e adolescentes. No caso em questão, uma criança de oito anos não tem discernimento e formação biopsicossocial para separar o que é realidade daquilo que é ficção. Isso sem contar com as eventuais manifestações de hostilidade que ela pode vir a sofrer por parte do público", avaliam as procuradoras em reportagem do jornal “Extra”.
O reflexo da fama na vida adulta
O trabalho artístico infantil é uma prática comum que ultrapassa gerações, não só no Brasil como ao redor do mundo, e pode ter suas irregularidades camufladas por seu glamour e valorização social. Por exemplo como o ator Buster Keaton, que começou no teatro com três anos, em 1898, ou Michael Jackson que com cinco anos já cantava e estourou internacionalmente aos 11 anos.
A influência dessas atividades expositivas sem um processo de desenvolvimento pedagógico, educacional e psicológico, de acordo com a juíza Juliana Leal, pode provocar reações negativas e até destrutivas. No caso do elenco do filme, Radcliffe, Watson e Grint tinham de três a cinco horas por dia para o estudo durante a gravação do primeiro filme, quando tinham nove anos, segundo a entrevista concedida à Marie Morreale, dois anos depois estreariam nas telas do cinema.
A coach de elenco mirim da Rede Globo Rosana Garcia conta que para o processo de preparação, é primordial a conversa com os pais. Garcia prioriza a história do ator para a construção de um personagem. “Eu acabo conhecendo sempre os pais. O trabalho acaba mudando de ator para ator, pois conta também com a criação de cada pai”. Segundo Garcia, a preparação é feita com um psicólogo fornecido pela emissora e todo o processo de atuação respeita o horário do colégio e de atividades da criança:
- Todas as experiências que tive nas gravações nunca atrapalharam o rendimento. As crianças sabem que é necessário continuar com bons resultados no colégio. Caso a criança tenha alguma dificuldade no colégio, é disponibilizado uma professora para reforço no tema.
Além disso, os profissionais ressaltam que é importante não ter uma rotina tão regrada na infância. A fama pode tomar um espaço e exigir uma rotina não saudável e ter efeitos irreversíveis aos artistas mirins. Atualmente, o trio de Hogwarts, Radcliffe, Watson e Grint teve todo o processo de vivenciar os prós e os contras ao encarar a exposição precoce. Porém, cabe aos pais, à sociedade e ao judiciário serem verificadores dessa modalidade de trabalho, sempre em preservação dos direitos da criança.
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