HARRY POTTER - 20 ANOS
Saga de J.K.
revoluciona a forma de contar histórias
por Beatriz Nicolsky

A franquia de Harry Potter revolucionou o uso de plataformas diferentes para criar e reafirmar uma narrativa. A série, que está comemorando 20 anos com o lançamento de "Harry Potter e a Pedra Filosofal", já foi adaptada para filmes, jogos, peças de teatro, parques temáticos de diversão e um portal online. A linha do tempo original, ou seja, todo o conteúdo dos sete livros, é a base da história. É nela que as outras plataformas midiáticas se apoiam para adaptar ou estender as informações sobre o mundo bruxo da autora J.K. Rowling.
No caso dos filmes e dos jogos, não há conteúdo adicional. A isso dá-se o nome de crossmedia, que significa "mídias que se cruzam”. Na crossmedia, há a difusão de um mesmo conteúdo por diferentes plataformas, mesmo que seja possível explorar novos aspectos da história. No filme, a parte visual, os cenários e os figurinos ajudam a construir aquele mundo, reiteram o quão mágico e diferente ele é, mas não acrescentam à narrativa.
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Em 2011, Rowling inaugurou, em parceria com a Sony, a versão de teste do site Pottermore. O portal online inicialmente (e até o fim de sua primeira fase) tinha uma proposta de interatividade. Nessa versão, os usuários exploravam cenas dos capítulos dos livros em um tipo de videogame no qual era possível encontrar e colecionar objetos (virtuais) iguais aos dos filmes, ser selecionado para as casas da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, e interagir com outros “alunos” como em uma rede social. E, assim como os objetos, era possível “desbloquear” histórias adicionais sobre os personagens ao clicarem partes específicas do cenário. A partir daí, pode-se considerar o princípio de uma proposta transmidiática.

Um exemplo de como o antigo Pottermore funcionava. Arrastando o mouse pela cena, o jogador podia descobrir objetos e partes novas da história.
O termo, segundo o professor americano Henry Jenkins (autor de "A Cultura da Convergência”), define o uso de diferentes histórias, espalhadas por plataformas diversas, que compõem um mesmo universo, mas são individualmente autônomas. Cristina Matos, professora de Comunicação Audiovisual da PUC-Rio, afirma que a primeira fase do Pottermore não pode ser considerada plenamente transmídia. "Apesar de esse conteúdo não estar presente nos livros e filmes, ele não se sustenta sozinho, não é independente. É preciso conhecer o livro ou o filme para entendê-lo”, argumentou.
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Em 2015, o Pottermore passou por uma reforma. O foco deixou de ser o jogo e a interatividade, e passou a ser o conteúdo adicional (atualizado com frequência) somado ao conteúdo de divulgação do mais novo filme sobre o mundo bruxo, “Animais Fantásticos e Onde Habitam”. O filme, inspirado em um livro lançado em 2001, conta uma nova história. A obra em que se baseia foi lançada como um apêndice da experiência de Harry Potter na escola. É um livro didático, com rabiscos feitos pelo “próprio Harry Potter", e escrito por Newt Scamander.
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O filme “Animais Fantásticos e Onde Habitam”, lançado em novembro de 2016, mostra as aventuras de Scamander 70 anos antes de Potter e seus amigos lerem o livro para a escola. Para criar uma conexão entre os dois mundos (o de Potter, no Reino Unido, o de Scamander, o de um bruxo inglês nos Estados Unidos), Rowling escreveu no Pottermore sobre quatro escolas de magia e bruxaria, além das já citadas na saga Harry Potter. Uma delas, a americana Ilvermorny, foi onde as personagens Tina e Queenie Goldstein, de “Animais Fantásticos”, estudaram. As equipes de Rowling e dos estúdios Warner (que distribuem os filmes desde 2001) anunciaram que “Animais Fantásticos” é o primeiro de uma nova trilogia.
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Os personagens principais também tiveram futuro depois da saga. Antes de “Animais Fantásticos”, “Harry Potter e a Criança Amaldiçoada” foi a primeira história nova em uma década. A peça começa 19 anos depois da Batalha de Hogwarts (em que Harry derrota Lord Voldemort) e retrata um de seus filhos, Albus Severus, na escola. Estreou em julho do ano passado em Londres e foi indicada a onze Prêmios Laurence Olivier, dos quais levou nove. Apesar de não ter sido escrita por Rowling, o autor Jack Thorne dá créditos à autora pela criação da história. A continuação é oficial, ou seja, faz parte do universo canônico da saga.
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Cristina Matos explica que a peça sozinha não pode ser considerada transmídia, porque ela e o livro, que é roteiro, têm a mesma história. Mas pode ser vista como uma extensão da trama original, que expande a história dos personagens centrais para algo que não está em nenhum dos sete livros. Algum contexto da obra original é importante, mas o enredo é autônomo.
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Outro caminho que se seguiu para a construção do mundo dos bruxos foi o “The Wizarding World of Harry Potter”, composto por três parques temáticos vinculados à Universal Studios e localizados no Japão, em Hollywood e em Orlando, onde fica o maior deles. Em Orlando, há duas áreas: uma que abriga Hogwarts e o vilarejo de Hogsmeade, nas proximidades da escola; e outra que representa o Beco Diagonal, parte de Londres. As duas partes são ligadas por um trem, o Expresso de Hogwarts. Os prédios, as lojas, as fachadas dos brinquedos, toda a decoração é igual ao cenário original dos filmes, o que faz com que os fãs se sintam totalmente dentro do universo da saga.

Uma fã brinca com a varinha interativa no Wizarding World of Harry Potter, em Orlando. Há locais específicos espalhados pelo parque em que esse modelo de varinha faz "mágica de verdade".
Apesar de não ser o maior espaço, o mais impactante contato com os aspectos físicos da saga de Harry Potter é a visita aos estúdios da Warner em Leavesden, perto de Londres. Lá, há uma exposição dos objetos, cenários e figurinos originais usados nos filmes.
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Mariana Dias, cuja tese de mestrado foi sobre narrativas transmidiáticas, conta em artigo para o Seminário de Alunos de Pós-graduação em Comunicação Social da PUC-Rio em 2016, que o parque e a visita aos estúdios proporcionam experiências diferentes, já que “no parque, a magia está mais relacionada à imersão no universo, enquanto no estúdio, é a magia do cinema que constrói esse universo”. Ela também diz que os dois contribuem para o que Jenkins considera um dos sete princípios para uma história transmídia, o conceito de criação de mundo, que faz o universo criado parecer real.
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Isso tudo no meio oficial da saga. Também há infinitas produções de fãs para texto (por exemplo, as fanfictions e livros publicados que, na ansiedade para o último volume, "Harry Potter e as Relíquias da Morte", deram um fim diferente para os três amigos), filme (uma produção feita por fãs sobre a história de Lord Voldemort acaba de ser anunciada e se chamará "Voldemort: Origins of the Heir") e teatro (destaque maior para a trilogia musicial iniciada com "A Very Potter Musical" pelo grupo americano StarKid Team, que ficou famosa entre os fãs mais jovens em 2009 pela interpretação não-convencional dos personagens mais famosos).
O ator Darren Criss (conhecido por sua participação na série "Glee") interpreta Harry Potter em "A Very Potter Musical". A trilogia, que inclui "A Very Potter Sequel" e "A Very Potter Senior Year", está na íntegra no YouTube.
Se antes Harry Potter era o centro, agora, é o mundo mágico. Potter, seus filhos e as aventuras de Scamander são algumas das histórias que acontecem dentro dele. A primeira tem conteúdo mais aprofundado e boa parte do que se sabe sobre o mundo bruxo é relacionado a ela, mas Rowling expandiu o universo de maneira tão ampla que novas histórias podem ser criadas. E são, o tempo todo.
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